sábado, 2 de agosto de 2014

O Tempo

Era uma tarde tranquila, sem nada pra fazer, então resolvi visitar o Tempo. Tomamos chá, chá de hortelã. Conversa vai conversa vem o Tempo me perguntou, "você não vai se queixar de nada?", "por que pergunta isso? eu deveria me queixar de alguma coisa?", eu o respondi sem entender muito bem sua pergunta, "é que geralmente quem vem me visitar vem para reclamar de alguma coisa ...". Eu pude perceber que aquilo o deixava chateado, e por sorte eu não havia ido lá para me queixar de nada. "Tempo meu amigo, outro dia me deu saudade de você a alguns meses atrás, e eu pude perceber que de algumas coisas eu mal conseguia me recordar,  mas aquilo que eu consegui me lembrar me deixou com um sorriso no rosto, cheguei até a reclamar de uma péssima memória, mas logo em seguida fiquei agradecido de não me recordar de tudo, de sorrir do que lembrei, e principalmente, percebi que se você não tivesse passado talvez eu ainda conseguiria me recordar de tudo, e talvez não sorriria das recordações." Ele então deu um leve sorriso daqueles de paz interior e começou a me contar da vez em que as pessoas usavam seus passados para seguirem adiante, levando somente as boas recordações e sorrisos estonteantes.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Que fique claro.


Que fique claro que, para conhecermos a sombra a  Luz precisa estar presente, que para saber quão bom é ver um sorriso, precisamos antes estar vendo a tristeza, para saber que não se gosta de ler se fez necessário ler em algum momento, que para querer engordar precisa estar magro e também o contrario, que para não gostar de nadar em uma cachoeira precisa saber o quão suave é a gélida sensação de paz que a queda d’água traz para suas costas, que para não gostar de tal aroma é preciso conseguir sentir os diferentes cheiros do mundo. Que fique claro que para sentir saudade de algum lugar é preciso não estar nesse lugar, que para querer voltar para casa é preciso ter saído dela. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

O Reflexo que não sabia falar.

- Quem é você?
...
Silêncio 
Silêncio
...
uma respiração profunda
silêncio ...
Apagou a luz, parou de se olhar no espelho e voltou pra cama, sem resposta, sem escolha, sem nada, apenas silêncio, apenas vazio.
Silêncio.


...

domingo, 20 de abril de 2014

Sou apenas humano

Para uma melhor leitura recomendo que esteja ouvindo essa musica :
https://www.youtube.com/watch?v=r5yaoMjaAmE




E a lança penetrou minha pele,  e eu pude sentir cada pêlo do meu corpo se arrepiando com a dor que aquela lança pontiaguda me causou adentrando minha pele, ultrapassando minha carne, perfurando meu coração, minhas lágrimas se transformaram em sangue e já não mais caiam dos meus olhos, a dor era tamanha que meus olhos não conseguiam chorar. Meus joelhos se dobraram e encostaram o chão frio daquele quarto escuro. Eu ali, ajoelhado no frio chão, com as mãos naquela lança perpassada em meu peito e o sangue escorrendo em meu corpo.
Minhas mãos não conseguiam soltar, Eu não conseguia soltar aquela lança, eu não conseguia tira-la, para talvez, quem sabe, conseguir cessar com aquela dor que estava me destruindo.
Alguns anos se passaram e eu ainda não tinha conseguido tirar aquela lança do meu peito.
Por vezes algumas pessoas passavam por mim, me distraíam e eu não sentia por alguns momentos, dor, por vezes a esquecia, mas por vezes algumas pessoas seguravam minha mão, segurando a lança,e afundavam a ainda mais. E meu coração ainda batia, ainda sangrava, e meus joelhos ainda sentiam o chão frio,e  minhas mãos ainda seguravam a lança.
Por vezes eu tentava levantar, cansado de sentir o frio do chão e com as pernas bambas tremendo eu conseguia ficar por breves momentos em pé, até que viessem pessoas para me distrair, até que essas pessoas segurassem minhas mãos segurando a lança até que essas pessoas afundavam a ainda mais em meu peito, fazendo me sentir o frio, fazendo o sangue escorrer mais, fazendo  a dor me destruir de novo, e de novo e de novo.
Até que um dia prendendo a minha respiração, com as mãos na lança, o sangue escorrendo, as pernas bambas, me levantei, uma respiração, uma profunda respiração, puxei a lança para fora do meu peito, o que fez com que sangue e mais sangue saísse e escorresse por meu corpo que não tinha se ajoelhado, mas caído por inteiro no chão frio de tamanha dor que havia sentido puxando a lança que já estava profunda com o passar dos anos.
Eu poderia ter aguentado mais, mas estava de saco cheio.
Eu poderia fingir, me distraindo, mais sorrisos.
Mas eu sou apenas humano, que sangrava cada vez que pegavam minha mão, e a lança aprofundavam mais em meu peito. E eu me arrebentava, e eu me desmontava, e sangrava caindo. Pois sou apenas humano.  

terça-feira, 11 de março de 2014

13 de Novembro de 1973

Fiquei pensando:
- Será que se eu sair sem minha sombra
alguém vai notar ?
Um belo dia parei de pensar.
13 de Novembro de 1973, o dia em que  decidi sair sem minha sombra.
- Preciso saber se alguém vai notar!
09:00 horas, sai de casa.
Sem minha sombra.
Andei por ruas, praças, entrei em armazéns, em botecos.
Conversei com crianças, com jovens,
com adultos e com mais velhos.
Conversei com conhecidos e com estranhos.
Fui em lugares com luzes artificiais e luz natural.
Lugares que "faziam" sombras.
Todos tinham sombra.
A criança, o jovem, o adulto e o mais velho.
Até mesmo a vela em cima da mesa  tinha uma sombra,
menos eu.
E ninguém notou.
Nem a criança desconhecida, nem o mais velho amigo,
nem o jovem que conversei.
- Todos me viram, mas ninguém me enxergou, ninguém notou a ausência da minha sombra ...

terça-feira, 4 de março de 2014

Limpei a mesa

16 de fevereiro de 2014...

Passei uns dias fora. Ele ficou aqui vazio, ou melhor, ele ficou aqui sem mim. Ele ficou aqui com as portas abertas, sem mim, e cheio, cheio de tudo que sou eu, e quem passava poderia me ver, mesmo sem eu estar aqui.
Entrei, silencio, de ambos, o meu e o dele,não me vi mais no meu quarto, que antes gritava a mim , e agora eu mesmo não me vejo.
Depois de tudo trocado, de tudo mudado, de tudo arrumado de um novo eu, a mesa dentro dele gritava,
gritava tudo que estava sobrando do que era antes ele.
A mesa estava carregada de tudo. Cores, letras, números, objetos, sentimentos guardados desnecessariamente.
Sabe cena de televisão, quando tudo é jogado no chão? Pois é, não foi tudo jogado no chão, mas tudo tirado do lugar, o chão ficou cheio de tudo.
Mesmo sem tudo aquilo que já estava no chão ainda sim estava cheia de tudo que estava literalmente nela.
Então com um pano umedecido cada eu que nela estava comecei a tirar, cada dia que estava nela começou a dela sumir, cada cor, cada letra, cada numero.
Branca. A mesa ficou branca.
Faxina boa no quarto, é dessas que a gente joga muito passado fora.
Limpei a mesa.