terça-feira, 26 de janeiro de 2016

O centro da cidade


Aquela Coisa segurava meu pescoço e com uma força brutal afundava minha cabeça e me afogava  naquela banheira cheia de uma água tão gelada quanto um cubo de gelo preso no congelador por 3 meses. Aquele dia vinha diretamente em minta mente. Eu sentia o sol em minha pele como se revivesse aquele dia, eu sentia o suor em minha testa, eu sentia o cansaço e principalmente eu via e o ouvia. A pessoa que eu mais amava, ali do meu lado, dizendo que odiava em mim os mesmo defeitos que eu também odiava. E como naquele dia eu seguia sozinho, sentia a lágrima escorrendo, entrava em casa, e ao bater a porta do quarto e deitar na cama a Coisa puxava minha cabeça pra fora da banheira. Eu me afoguei e revive aquele dia noventa e seis dias exatos. 
 Agora estou sentado, não sei descrever, é muito escuro. A Coisa parecer ser uma pessoa, se assim podemos dizer, e está na minha frente, também não consigo descreve-la com exatidão, há um manto e um capuz negro impedindo que eu veja seu físico, seu rosto; Receio ser a mesma Coisa que tinha como passatempo me afogar. Estou nu, sinto o frio do chão, o frio da madeira do assento da cadeira, o frio dos ferros onde meus pés e minhas mãos estão amarrados. É tudo frio aqui. 
 Posso perceber que essa Coisa tem algo nas mãos, não consigo ver exatamente o que é. Acredito que era uma adaga, e que fria essa adaga era. Cuidadosamente, como que parecendo se importar comigo, a adaga é aos poucos empunhada em mim, atravessa centímetro por centímetro do meu peito, chega ao coração e ao toque da adaga em meu coração outra lembrança. Quando pequeno, quando jovem e aparentemente ainda hoje, não tive e não tenho uma família (muitas coisas me fazem crer nisso) e ao toque da ponta daquela adaga fria penetrando meu coração, aquele dia que eu senti que finalmente tinha uma família (uma pessoa só, mas, ainda sim uma família) veio em mente. Meu peito foi perfurado e eu revivi essa sensação noventa e cinco vezes.
Da última vez, quando completou noventa e seis vezes que a adaga adentrava meu peito, eu revive a mesma lembrança e quando, dessa vez, a lembrança acabou, a Coisa com manto e capuz negros tirou com a adaga um pedaço do meu coração, que a essa altura já estava todo perfurado. Agora tenho um coração incompleto. Não consigo entender como ele ainda bate, como ele consegue funcionar estando sem uma de suas partes. 
 A Coisa sumiu da minha frente, tudo ficou mais escuro ainda, eu não sentia mais o frio das coisas, eu era o frio agora, mas estava vestido, abri os olhos, estava em pé, havia uma multidão a minha volta, estava no centro da cidade. Agora o frio que eu sentia era da parte que faltava dentro de mim, era eu. Agora sem família, sem abrigo, sem um coração inteiro eu segui andando como todas as outras pessoas. O mundo é um lugar estranho. 

domingo, 24 de janeiro de 2016

onde está a chegada?

Venho andando por uma estrada desconhecida há um  bom tempo. Eu não sei absolutamente nada sobre essa estrada, e isso me consome de uma maneira que apenas as lágrimas escorrendo pelo meu rosto e se perdendo em minha barba conseguem descrever. E eu já me cansei, muito.
Dizem que a dor, com o tempo, diminui e que pode até desaparecer, bom, não é meu caso, não é o caso dessa estrada que eu sigo. Parece que ela se agarrou a mim, esta impregnada, é uma mancha de sangue em um tecido branco, e não se limpa, e não some, não diminui.
Meu coração aperta e me sufoca e eu mal consigo me levantar. Não é uma lança, é diferente. É algo dentro, tão fundo que eu não consigo nem entender o que é, mas eu sinto, e doí.
A chegada parece nunca estar logo ali.
Eu não me sinto em casa.
Eu não me sinto em família.
Sou eu e eu, e eu juro que tentei, mas não é tão simples. E não há nada a se fazer além de seguir e seguir e seguir, por essa estrada com horas invertidas, cores dissimuladas, frio...


Sometimes love's not enough


When the road gets tough


I don't know why