quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Relógio parado

O menino estava sentado de joelhos juntos, mão no queixo e olhos fundos, fundos de cansaço. Prendeu por um breve instante o seu pensamento em seus olhos fundos, percebeu nesse ato, de fixar-se em seus olhos, que não havia entre ele e ele mesmo algum tipo de conexão como havia outrora. Tentou, mais de uma vez, voltar seus olhos para dentro, todas as tentativas em vão, não conseguia conectar-se à sua alma; entristeceu-se. 
O menino, ainda sentado de joelhos juntos e mão no queixo, notou que já estava ali, estático e sem olhar para nada, a um bom tempo. Estavam quebrados, olhos, olhar, alma e ser. Ser já não era algo que ele sabia; entristeceu-se.
O que estou fazendo aqui? Perguntou-se tirando a mão do queixo para ascender mais um trago. Entre um trago e outro o cigarro acabou rapidamente e ele ainda não havia chegado em alguma resposta, se é que chegar a uma resposta, naquele momento, fosse possível, agora estava sem resposta e mais cheio de perguntas, e estas, bem, como a outra estavam todas sem respostas; entristeceu-se. 
O menino virou o pulso para ver as horas e o quanto já estava atrasado, perdido sem entender nada do que estava acontecendo com seu relógio e com sua vida, viu que haviam passado apenas três minutos desde que havia sentado ali, juntado os joelhos e sustentado os olhos pesados com a mão no queixo. 
Os minutos estão pesando sobre mim como se fossem horas infinitas. Foi a resposta que ele deu à uma moça que passou e perguntou "como você está?". Ele ainda estava perplexo com seu exílio momento em lugar nenhum e com a vida e os olhos pesando, entristeceu-se. 

terça-feira, 18 de abril de 2017

29 de janeiro

Quando eu tinha 17 anos (talvez 16, não me recordo o ano exato) sofri um acidente de moto, eu era o passageiro, eu escolhi estar naquela moto aquele dia. Não tenho cicatrizes físicas daquele acidente, ou melhor, tenho cicatrizes mínimas daquele acidente; devo isso a minha avó.
Minha avó sabia que pessoas podem se quebrar, mas podem ser concertadas, ela sabia que pessoas podem se machucar, mas também podem sobreviver. Nunca entendi o verdadeiro significado por detrás daquela pomada até hoje.
Minha avó brigou comigo para que eu usasse aquela pomada específica. Eu odiei aquela pomada por muito tempo. Os ferimentos do acidente eram grandes e feios; e sangraram muito por vários dias. A pomada da minha avó não era cicatrizante, ao contrário, ela abria ainda mais os ferimentos e isso fez com que as feridas demorassem dias para sarar, mas também fez com que meu corpo criasse mais anticorpos e mais tecido cútis, e isso me levou a ficar muito mais tempo machucado, mas também fez com que a cicatrização ficasse como que perfeita. 
Aparentemente o universo está sendo como minha avó. Eu escolhi estar em um acidente que deixou minha alma quebrada. Eu me remendei (ou pelo menos tentei e cheguei a acreditar que estava remendado), coloquei inúmeros band-aids para me curar mais rápido, mas há sempre “a pomada da minha avó” querendo abrir os ferimentos, é como se a própria ferida saísse de mim e risse da e na minha cara, cada vez que o reencontro. Sempre que acredito que as feridas estão se curando ele aparece e elas se abrem novamente, mas o carrossel não para de girar não é? É isso, eu acreditei por muito tempo que poderia continuar vivendo de remendos, até que entendi o significado da pomada da minha avó.
Agora estou eu no carrossel me perguntando como usar essa pomada e quando ela irá me curar. Quanto tempo ainda vou aguentar? (Quantas vezes já me fiz essa pergunta? Perdi a conta …) Quanto tempo ainda minhas feridas vão continuar sangrando? Como vou encontrar um modo de me sentir concertado? Como sairei desse acidente se o carrossel nunca para de girar? 
Hoje à tarde fui tomar um banho de sol, em cima de um morro, onde o pôr do sol fica lindo de se ver, sozinho, não queria companhia, chegando lá um casal ficou bem na minha frente, e eu tirei uma foto deles, a foto ficou linda. Eu poderia ficar triste vendo aquele casal aproveitando um lindo pôr do sol juntos e eu ali do lado sozinho, e fiquei. Mas, depois percebi que aquilo estava sendo a pomada da minha avó e me senti menos triste por ver que aqueles dois estavam mais felizes do que eu. Chamei eles e passei a foto por WhatsApp, eles gostaram da foto. Voltei pra casa com a ferida aberta, mas com a certeza de que um dia ela se curará. Espero.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

O centro da cidade


Aquela Coisa segurava meu pescoço e com uma força brutal afundava minha cabeça e me afogava  naquela banheira cheia de uma água tão gelada quanto um cubo de gelo preso no congelador por 3 meses. Aquele dia vinha diretamente em minta mente. Eu sentia o sol em minha pele como se revivesse aquele dia, eu sentia o suor em minha testa, eu sentia o cansaço e principalmente eu via e o ouvia. A pessoa que eu mais amava, ali do meu lado, dizendo que odiava em mim os mesmo defeitos que eu também odiava. E como naquele dia eu seguia sozinho, sentia a lágrima escorrendo, entrava em casa, e ao bater a porta do quarto e deitar na cama a Coisa puxava minha cabeça pra fora da banheira. Eu me afoguei e revive aquele dia noventa e seis dias exatos. 
 Agora estou sentado, não sei descrever, é muito escuro. A Coisa parecer ser uma pessoa, se assim podemos dizer, e está na minha frente, também não consigo descreve-la com exatidão, há um manto e um capuz negro impedindo que eu veja seu físico, seu rosto; Receio ser a mesma Coisa que tinha como passatempo me afogar. Estou nu, sinto o frio do chão, o frio da madeira do assento da cadeira, o frio dos ferros onde meus pés e minhas mãos estão amarrados. É tudo frio aqui. 
 Posso perceber que essa Coisa tem algo nas mãos, não consigo ver exatamente o que é. Acredito que era uma adaga, e que fria essa adaga era. Cuidadosamente, como que parecendo se importar comigo, a adaga é aos poucos empunhada em mim, atravessa centímetro por centímetro do meu peito, chega ao coração e ao toque da adaga em meu coração outra lembrança. Quando pequeno, quando jovem e aparentemente ainda hoje, não tive e não tenho uma família (muitas coisas me fazem crer nisso) e ao toque da ponta daquela adaga fria penetrando meu coração, aquele dia que eu senti que finalmente tinha uma família (uma pessoa só, mas, ainda sim uma família) veio em mente. Meu peito foi perfurado e eu revivi essa sensação noventa e cinco vezes.
Da última vez, quando completou noventa e seis vezes que a adaga adentrava meu peito, eu revive a mesma lembrança e quando, dessa vez, a lembrança acabou, a Coisa com manto e capuz negros tirou com a adaga um pedaço do meu coração, que a essa altura já estava todo perfurado. Agora tenho um coração incompleto. Não consigo entender como ele ainda bate, como ele consegue funcionar estando sem uma de suas partes. 
 A Coisa sumiu da minha frente, tudo ficou mais escuro ainda, eu não sentia mais o frio das coisas, eu era o frio agora, mas estava vestido, abri os olhos, estava em pé, havia uma multidão a minha volta, estava no centro da cidade. Agora o frio que eu sentia era da parte que faltava dentro de mim, era eu. Agora sem família, sem abrigo, sem um coração inteiro eu segui andando como todas as outras pessoas. O mundo é um lugar estranho. 

domingo, 24 de janeiro de 2016

onde está a chegada?

Venho andando por uma estrada desconhecida há um  bom tempo. Eu não sei absolutamente nada sobre essa estrada, e isso me consome de uma maneira que apenas as lágrimas escorrendo pelo meu rosto e se perdendo em minha barba conseguem descrever. E eu já me cansei, muito.
Dizem que a dor, com o tempo, diminui e que pode até desaparecer, bom, não é meu caso, não é o caso dessa estrada que eu sigo. Parece que ela se agarrou a mim, esta impregnada, é uma mancha de sangue em um tecido branco, e não se limpa, e não some, não diminui.
Meu coração aperta e me sufoca e eu mal consigo me levantar. Não é uma lança, é diferente. É algo dentro, tão fundo que eu não consigo nem entender o que é, mas eu sinto, e doí.
A chegada parece nunca estar logo ali.
Eu não me sinto em casa.
Eu não me sinto em família.
Sou eu e eu, e eu juro que tentei, mas não é tão simples. E não há nada a se fazer além de seguir e seguir e seguir, por essa estrada com horas invertidas, cores dissimuladas, frio...


Sometimes love's not enough


When the road gets tough


I don't know why



quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Dos acúmulos que hoje me fazem dizer, estou cansado.

Porque não da pra chorar acúmulos, não da.
O choro vem, o choro vai, você não consegue controlar o que esta sentindo e ai sente tudo e depois senti nada, e nesse intervalo chora, e ai respira fundo e depois volta no começo e ai vai até que resolve vomitar tudo.
E ai, não sabe nem o que vomita primeiro, ou como, em que ordem, estão todos os acúmulos querendo sair da garganta que acabaram entalados.
Eu não queria ser um acumulador, nem um gravador, nem um baú, nem nada, queria ser uma folha, sem humanidade, uma folha que aparece em uma arvore qualquer,  cresce, muda de cor, e ai o vento leva, e essa folha vai até pousar em um canto qualquer e ali ficar ate que suma do mundo, que vai com  vento sem questionar, sem precisar limpar mesas, sem lembar dos apertos de mão, sem ter de lembrar das palavras, sem lembrar, apenas ir, e ir.
Durante o dia, meus 21 anos me revestem, em uma armadura impenetrável, nada ultrapassa, nada me fere, nada me atingi, mas a noite, quando esta tudo escuro e em silencio, sou de novo o garotinho perdido na cidade grande, contanto ovelhas pra conseguir dormir, pra conseguir não pensar, pra conseguir fechar os olhos tranquilo, sereno, e ai dormir, sem estar cansado.
Talvez, só talvez, eu esteja cansado de que me perguntem , "e seu pai?", e eu tenha que medir palavras pra dizer, sem demonstrar o nó na garganta, que ele deve estar por ai, em algum lugar, que eu não fiz cartões pro dia dos pais, que eu nunca comprei um presente pro meu pai, que eu nunca disse oi pai, ou então, tchau pai, ou até logo pai, ou, pai, me ajuda com isso, não consigo sozinho. Talvez eu só queria, esse tempo todo usar a palavra pai, dizer, gritar, ter. Mas é só um talvez.
Ou talvez esse tempo, eu tenha mesmo era guardado o desejo de ter um pai, de andar no parque, ou só  ir até a padaria numa tarde de sábado, ou ter pra quem entregar o trabalhinho da escola que eu fazia no dia dos pais sem falar pra professora ou pros coleguinhas que eu não tinha pra quem entregar, e que depois entregava pro meu vô ou pro meu padrasto e depois, de noite, sem armadura eu chorava, como agora.
Talvez, mas só talvez, eu esteja cansado de ter que dizer,"eles devem saber, mas fingem que não sabem", quando perguntam, "e sua família, sabe de você?", e eu tenho que controlar minhas lembranças, pra não lembrar que eu ouvi que sou um erro, um doente, que preciso de tratamento e que preciso fazer consultas ao psicologo, quando eu deveria ouvir "eu te amo". Mas é só um talvez.
Talvez eu devesse fazer algum tratamento de perda de memória, e esquecer de todas as mãos que me foram estendidas, de todas as palavras, que da boca pra fora, para mim foram ditas, talvez, mas só talvez, eu devesse me atirar na frente de um carro, e bater a cabeça para perder a memória, e não lembrar dos abraços, e das juras de amor, e das esperanças que insistem em existirem apresar dos pesares.
Talvez, quem sabe, eu deveria ser uma folha, que o vento jogaria na frente de um carro, e esqueceria de que era uma folha e cairia num lago e viveria como um peixinho dourado.
Ou talvez eu deveria trocar de musica, publicar esse vomito, e lavar o rosto.
Mas é só um talvez.

I'm feeling like a lost little boy
In a brand new town
I'm counting my sheep and each one that passes
Is another dream to ashes
And they all fall down ...

https://www.youtube.com/watch?v=_KbgZZo0Zfo 



quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Dos novos momentos vividos: o termino.

Sabe, tudo que  é novo, nos estranha. Um termino por exemplo, um termino que foi decidido por você. Porque você julgou melhor para ambos, talvez mais pelo outro que por você. Porque você sabe o que está sentido, agora o outro, você não tem controle do sentimento do outro, e ai que mora o perigo. E ai está um grande ponto da vida, não amamos sozinhos, não nos relacionamos sozinhos, sempre estaremos amando com alguém, nos relacionando com alguém. Sempre teremos os sentimentos de alguém nas mãos.
Sentimentos. Coisa frágil, delicada, não feita pra brincar, e impossível de se controlar.
 E é isso que esse novo momento me trouxe, eu tive de decidir por 2, por dois seres que setem, que estão cheios, repletos, transbordando sentimentos. E por horas me doí pensar que, enquanto que, pra mim eu os peguei, os sentimentos, do outro, e os coloquei em uma caixinha, toda almofadada, com as mais leves e melhores plumas do mundo, pra que eles fiquem bem, para o outro eu simplesmente os soltei, e os deixei cair no chão, esparramados, estilhaçados, aos pedaços.
Por um lado sinto que há um ponto positivo nisso, eu ainda mantenho em mim algo de bom, eu me importo com os sentimentos do outro, ainda bem que não deixei isso se perder em mim.

sábado, 2 de agosto de 2014

O Tempo

Era uma tarde tranquila, sem nada pra fazer, então resolvi visitar o Tempo. Tomamos chá, chá de hortelã. Conversa vai conversa vem o Tempo me perguntou, "você não vai se queixar de nada?", "por que pergunta isso? eu deveria me queixar de alguma coisa?", eu o respondi sem entender muito bem sua pergunta, "é que geralmente quem vem me visitar vem para reclamar de alguma coisa ...". Eu pude perceber que aquilo o deixava chateado, e por sorte eu não havia ido lá para me queixar de nada. "Tempo meu amigo, outro dia me deu saudade de você a alguns meses atrás, e eu pude perceber que de algumas coisas eu mal conseguia me recordar,  mas aquilo que eu consegui me lembrar me deixou com um sorriso no rosto, cheguei até a reclamar de uma péssima memória, mas logo em seguida fiquei agradecido de não me recordar de tudo, de sorrir do que lembrei, e principalmente, percebi que se você não tivesse passado talvez eu ainda conseguiria me recordar de tudo, e talvez não sorriria das recordações." Ele então deu um leve sorriso daqueles de paz interior e começou a me contar da vez em que as pessoas usavam seus passados para seguirem adiante, levando somente as boas recordações e sorrisos estonteantes.